A Estrada de Ferro Sorocabana

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G1 - Bauru e Marília
Monumento a Luiz Matheus Maylasky em Sorocaba — Foto: Stephanie Fonseca/g1

A Estrada de Ferro Sorocabana (EFS) foi idealizada pelo empresário Luiz Matheus Maylasky para ligar a capital paulista à Real Fábrica de Ferro de São João de Ypanema (atual Iperó). O início da ferrovia marca uma das mudanças de ciclos da transformação de Sorocaba, como lembra o historiador Carlos Carvalho Cavalheiro. A Estrada de Ferro Sorocabana (EFS) também teve sua importância na Revolução de 1932, quando soldados paulistas usaram a linha para ir ao front com o Trem Blindado.

‘Senhores! Entrego-lhes hoje a Estrada de Ferro Sorocabana! É a imagem do progresso!’ (Luiz Matheus Maylasky). Há 150 anos, um apito se fez ouvir em Sorocaba (SP) com a chegada do primeiro trem à cidade.

Chegava também um novo tempo: o da Estrada de Ferro Sorocabana (EFS), idealizada pelo empresário Luiz Matheus Maylasky para ligar a capital paulista até a Real Fábrica de Ferro de São João de Ypanema (atual Iperó) e que se tornou uma das ferrovias mais importantes do Brasil. Maylasky era engenheiro e militar nascido em Kosice, na atual Eslováquia.

No Brasil, enxergava nas ferrovias o caminho para o progresso. Sua proposta inicial de ligar Sorocaba a São Paulo para fomentar a economia do algodão encontrou resistência entre os empresários da época, que defendiam uma outra rota, entre Itu e Jundiaí. ‘Ele participou de uma reunião em Itu, onde propôs uma ferrovia passando por Sorocaba.

Foi ignorado pelos presentes. Então, ele saiu da reunião e decidiu: ‘Vou fazer a minha própria estrada de ferro”, conta Cavalheiro. Sacou do bolso, conforme os registros históricos, duas moedas de 20 réis, conhecidas como vinténs, e anunciou: ‘Aqui está o primeiro capital subscrito. Com estes dois vinténs levantaremos o capital necessário’.

A ousadia atraiu apoiadores e a simpatia do governo imperial, que outorgou à Companhia Sorocabana de Estrada de Ferro de Ypanema a São Paulo a permissão e as garantias necessárias. As obras foram iniciadas em 1872 e, três anos depois, o primeiro trecho de 110 quilômetros foi oficialmente inaugurado.

‘A visão de Maylasky ia além da logística. Ele apostava no surgimento de uma nova cidade mais conectada e alinhada com os valores do progresso’, pontua o historiador. Nesse sentido, a própria estação ferroviária, hoje desativada e em mau estado de conservação, é um símbolo disso: trata-se do primeiro imóvel construído em tijolos no município.

Conforme Rafael Prudente Correa, historiador e consultor em patrimônio ferroviário, a Estrada de Ferro Sorocabana teve um papel importante e decisivo no desenvolvimento de Sorocaba e do estado de São Paulo. Isso a tornou uma das maiores ferrovias do Brasil, chegando a uma rede de trilhos com 2.172 quilômetros de extensão no seu ápice, em 1959. ‘A cidade não só deu nome à companhia, mas recebeu as grandes oficinas da Sorocabana no fim da década de 1920. Isso gerou emprego, serviços e impulsionou a urbanização’, relembra. Em seu auge, aquele parque técnico chegou a ser o maior da América Latina.

Após um início de percalços, que levaram à destituição de Maylasky do comando da companhia, em 1880, a Sorocabana passou a mirar as zonas produtoras de café a noroeste de Sorocaba, chegando a Tietê em 1883; a Botucatu em 1889; e a Itapetininga em 1895. Em 1892, funde-se com a Ytuana, sendo constituída a Companhia União Sorocabana Ytuana (CUSY), que vai à falência em 1904. A ferrovia passa, então, a ser administrada pelo governo federal, que, em 1905, a transfere para o estado de São Paulo, ano em que a ferrovia chega a Bauru. Em 1907, a empresa é arrendada à Brazil Railway Co., dirigida pelo norte-americano Percival Farquhar, que constrói os prolongamentos da linha tronco até Presidente Bernardes e dos ramais de Itapetininga a Itararé e de Indaiatuba a Campinas. Em 1919, retorna à administração estadual, iniciando o período de maior desenvolvimento de sua história.

Em 1922, chegou ao porto de Presidente Epitácio, às margens do Rio Paraná, e em 1937 finaliza a obra da tão sonhada ligação Mairinque a Santos, uma das maiores obras da engenharia ferroviária nacional e responsável por quebrar o monopólio da São Paulo Railway, primeira ferrovia do Estado, no acesso ao porto.

‘Ela foi pensada com visão de futuro, bitola larga e preparada para via dupla. Hoje, essa linha é o principal corredor de exportação do agronegócio brasileiro pelo Porto de Santos’, destaca Rafael. A Estrada de Ferro Sorocabana (EFS) também teve sua importância na Revolução de 1932, quando soldados paulistas usaram da linha para ir ao front com o Trem Blindado, construído nas oficinas da ferrovia em Sorocaba. Ficou conhecido como o ‘Fantasma da Morte’.

‘Sorocaba mandou voluntários para os campos de batalha, e a ferrovia foi usada para transporte de tropas, alimentos e armas. Era uma ligação estratégica’, afirma Carlos Cavalheiro. O envolvimento da população foi além dos trilhos. ‘Tivemos mulheres como a professora Francisca Silveira Queiroz, que mobilizou pessoas para ajudarem os soldados, e Ana Maria Bellucci, que criou um batalhão feminino de retaguarda’, conta o historiador. Antes disso, a ferrovia teve participação no movimento abolicionista.

‘Ferroviários de Sorocaba ajudaram a transportar escravizados fugidos até São Paulo, com apoio de maçons ligados à causa, como o próprio Maylasky’, relata Cavalheiro. O declínio da Estrada de Ferro Sorocabana coincide com a estruturação das rodovias, a partir dos anos 1960. A partir do ponto máximo de expansão da sua malha, a ferrovia começa a ‘encolher’, fechando ramais e deixando de atender várias cidades. ‘A ferrovia é um transporte barato e eficiente para grandes volumes.

O Brasil trocou isso por um modelo rodoviário por conta de planos de governo de curto prazo’, critica Rafael Correa. ‘Mas não foram as montadoras e, sim, transportadoras e sindicatos de caminhoneiros que pressionaram para a priorização das rodovias’, observa. Em 1971, a antiga Sorocabana foi uma das cinco ferrovias paulistas que formaram a Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa), entregue ao governo federal em 1998 como parte da renegociação da dívida do estado com a União.

Dividida e entregue a vários consórcios privados, atualmente, tem grande parte da sua extensão abandonada, com estações desativadas e trilhos inativos. Mas os seus 150 anos, hoje, servem como marco de um passado glorioso que ainda pode apontar para o futuro. ‘Precisamos pensar em ferrovias como plano de Estado, com visão de longo prazo. Não dá para decidir o transporte de um país em ciclos eleitorais de quatro anos’, conclui Rafael.

Fonte: G1 – Bauru e Marília

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