Beverly Hills Paulista: Prefeitura de Barueri recapeou 30 vezes mais o condomínio de luxo de deputado do MDB do que bairros pobres vizinhos, diz relatório

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G1 - São Paulo

A revelação de que o deputado federal Fábio Teruel (MDB) destinou R$ 2,2 milhões em emenda parlamentar para o recapeamento do condomínio de luxo onde mora, em Barueri, na Grande São Paulo, jogou luz sobre uma desigualdade na cidade que não é apenas social e de renda, mas também na distribuição de verba de asfaltamento na cidade.

Segundo o Relatório de Execução do Programa de Metas 2024, da própria gestão municipal, o condomínio Residencial Tamboré I, conhecido como a “Beverly Hills Paulista”, foi uma das áreas de Barueri que mais recebeu asfaltamento na cidade no ano passado.

O condomínio de luxo que abriga moradores ilustres como cantores, jogadores de futebol, influencers, políticos e ricaços, recebeu pelo menos 33.945 metros quadrados lineares de recapeamento asfáltico em 2024.

Foram nove ruas asfaltadas dentro do condomínio pela prefeitura, entre as 63 que a gestão do ex-prefeito Rubens Furlan (PSB) e do vice, Beto Piteri (Republicanos) que agora é o prefeito, recapearam no município inteiro no ano passado.

A quantia de ruas recapeadas dentro do condomínio é 31 vezes maior do que nos bairros mais pobres, vizinhos do condomínio luxuoso.

O bairro de Tamboré, uma zona mista industrial, de comércio e também de casas de alto padrão, recebeu o maior investimento: 52.620,40 metros quadrados lineares de ruas recapeadas.

Já o Parque Imperial, por exemplo, que é colado ao Tamboré I, recebeu no mesmo período de 12 meses apenas 1,1 mil metros quadrados de vias recapeadas, enquanto o Mutinga, outro bairro carente vizinho ao residencial, recebeu ainda menos 679 metros de ruas recapeadas.

Ou seja, os bairros pobres vizinhos tiveram apenas uma ou nenhuma via completamente recapeada pela prefeitura no mesmo período.

Segundo a construtora Tegra, que é dona da marca “Residencial Tamboré” e construiu condomínios igualmente luxuosos por várias cidades do Brasil, a “Beverly Hills Paulista” é um loteamento exclusivíssimo com apenas 1,86 km2 de extensão [1.868.394 m2] e 710 unidades residenciais de luxo.

A área onde vivem o deputado Fábio Teruel e a vice-prefeita de Barueri, Claudia Marques (PSB), é um condomínio onde as casas podem custar até a R$ 50 milhões, mas que tem apenas 24 km de vias pavimentadas.

Já o Parque Imperial, bairro vizinho do condomínio dos bacanas, tem uma área quase oito vezes maior [8,9 km2] e mais de 30 mil moradores, segundo estimativas da própria Prefeitura de Barueri.

“É uma desigualdade que envergonha, mas não me surpreende. Porque político é isso aí. Eles só olham para a periferia atrás de voto”, disse o comerciante Ricardo Paulo dos Santos, gerente de um açougue na rua Américo Vespúcio, no Parque Imperial.

Nesta terça-feira (1°), o g1 percorreu várias ruas de Barueri e notou a desigualdade asfáltica do município, que é reproduzida também em outras cidades vizinhas, como São Paulo, Osasco e Jandira, por exemplo.

Enquanto nos bairros comerciais e residenciais de alto padrão, como o Tamboré e o Alphaville, o asfalto quase não tem remendos, no Mutinga, quase não se vê são asfaltos sem remendos e buracos.

Ele contou que está há 11 anos esperando que a Prefeitura de Barueri refaça o asfalto em frente ao comércio dele. Ele narrou que, no ano passado, período de eleição municipal, a gestão da dupla Furlan/Piteri fez um grande programa de recapeamento na cidade para, segundo ele, “angariar votos”.

“Todo ano de eleição aparece candidato a vereador aqui fazendo promessa e prometendo melhoria. Ano passado de fato eles vieram aqui com a operação tapa-buraco, mas não recapearam de verdade quase canto nenhum aqui do bairro. Esse buraco que tá aqui na frente da loja foi um dos que eles fecharam. Dois meses depois, veio uma chuva e abriu tudo de novo e tá aí. Eles remendam, abre de novo. Mas solução definitiva, faz 11 anos que tô aqui e nunca vi”, comentou.

Na rua Frei Henrique Sores de Coimbra, no Jardim Imperial, a reportagem encontrou 12 buracos abertos e outros 25 remendados, numa via que tem pouco menos de 2 km de extensão.

A comerciante Marisa Arrais, que tem uma loja de material de construção na mesma rua, diz que afirma que há 1 ano que a vizinhança registra queixa nos órgãos municipais contra a buraqueira, mas não é atendida.

“A vizinhança já mandou foto, zap, ligou, pediu pra vereador. Mas nada é feito. Tá em tempo de acontecer um acidente com a turma que passa de moto por aqui, achando que tá em pista de corrida”, contou.

Por meio de nota, a Prefeitura de Barueri disse que investiu R$ 46,1 milhões em obras de recapeamento na cidade em 2024, recapeado 63 vias, em 18 bairros por toda a cidade.

Segundo a gestão Piteri, as ruas do Residencial Tamboré I foram privilegiadas no ano porque ficaram 15 anos sem recapeamento asfáltico. Para tanto, foram destinados R$ 4,7 milhões para o recapeamento do condomínio, sendo que R$ 2,2 milhões foram verba de emenda do deputado morador, Fábio Teruel (MDB).

“Essa é uma ação realizada anualmente como manutenção preventiva e corretiva do desgaste do pavimento asfáltico em função da passagem do tempo, da ação das chuvas e do fluxo elevado de veículos. Vale salientar que o Residencial Tamboré 1 é uma Associação de Moradores, cujas vias internas são públicas. Não é um condomínio fechado. E há 15 anos, não era feito o recapeamento asfáltico nas vias localizadas dentro do Residencial. Por esse motivo, em 2024, a Prefeitura destinou, R$ 4.710.907,69 milhões para o recapeamento das nove vias internas executadas pelas empresas Sitag e Santos. Esse valor corresponde a 10,2% do total investido no município. Em 2025, não houve recapeamento no Residencial”, disse em nota.

Para o ano de 2025, a Prefeitura de Barueri afirma que vai investir R$ 60 milhões no recapeamento de vias. Os bairros prioritários, segundo a administração municipal, serão justamente o Parque Imperial, o Mutinga e Jardim Paulista.

Até junho, a gestão do prefeito do Republicanos afirmou que já gastou R$ 21 milhões no recapeamento de 29 vias da cidade, nos três bairros carentes mencionados na reportagem do g1.

Na visita que a reportagem fez no bairro, realmente encontrou algumas vias recém-recapeadas. Uma delas foi a rua Bartolomeu de Gusmão.

O engenheiro Euclides Tiago Silva Pereira, que mora na rua, disse que foram quatro anos de pedidos da população pare refazer o asfalto na rua.

“A gente ficou anos pedindo melhoria aqui. Foram uns quatro, cinco anos. Só vieram depois de dois acidentes que ocorreram aqui. Em dia de chuva, ninguém conseguia passar. Aí, uns dois meses atrás vieram aí e finalmente fizeram algo”, contou.

Na cidade de Barueri não existe oposição ao atual prefeito na Câmara Municipal. Dos 21 vereadores eleitos da cidade, apenas 1 é da oposição. Alan Miranda é do União Brasil, mesmo partido do adversário do vice-prefeito que virou prefeito, no 2° turno eleitoral de 2024.

Beto Piteri venceu o 2° turno na cidade ano passado com 56,48% dos votos, contra 43,52% de Gil Arantes (União).

Quando a reportagem do g1 começou a investigar a distribuição da verba de recapeamento em Barueri, encontrou uma versão do relatório da Relatório de Execução do Programa de Metas 2024 da prefeitura que dizia que o Residencial Tamboré I, o condomínio das celebridades, tinha recebido 133.945 mil metros quadrados de recapeamento asfáltico em 2024.

O condomínio era, de longe, o que mais tinha recebido asfaltamento no ano passado, entre todos os bairros do município.

A quantia é quatro vezes maior do que a prefeitura diz que foi feita no bairro fechado de luxo. Ao ser questionada, a gestão de Beto Piteri disse que “houve um erro digitação”, que apontou mais vias asfaltadas que os 24 km de vias que existem no condomínio de luxo.

“No Relatório de Execução do Programa de Metas 2024, existia um erro de digitação, no item de áreas de ruas recapeadas por metro linear, onde consta que no bairro do Residencial Tamboré teve 133.945,45 metros lineares recapeados, quando na verdade o valor correto é 33.945,45 metros lineares, conforme errata e documentação comprobatória, e já publicadas no Portal da Transparência. Dá para perceber que foi um erro de digitação, pois dificilmente um Residencial teria 133.945,45 metros lineares de vias internas”, declarou a prefeitura em nota.

Após o questionamento da reportagem, a prefeitura publicou um novo relatório onde aponta que a quantidade correta é de 33,9 mil metros, usada pela reportagem para o cálculo comparativo.

Em visita ao Residencial na manhã desta terça (1°), o g1 foi rapidamente recebido por uma administradora do condomínio de nome Maria Helena. Ela informou que a área não tinha recebido melhorias asfálticas no ano de 2025, mas que no ano passado, sim.

“Foram recapeadas umas quatro avenidas, mas não foi inteira. Foi em parte. Isso foi uma solicitação da nossa diretoria para o prefeito Furlan. São 24 quilômetros de ruas, todas com nomes de [cidades] do interior de São Paulo”, declarou.

“A gente não sabe quem fez essa denúncia, se o Teruel tá envolvido em algo ou não. Nós simplesmente somos uma associação de moradores que foi até o gabinete do prefeito e pediu para recapear algumas avenidas. As avenidas aqui são públicas, como é qualquer avenida aqui de Barueri. Nós só temos uma concessão de portaria e a rua aqui é pública”, disse a administradora.

Apesar das ruas públicas, o g1 foi impedido de entrar no condomínio para checar a situação das vias.

O número de quatro vias recapeadas difere do número de nove vias informado pela Prefeitura de Barueri e que estão nos documentos enviados pela gestão municipal para o governo federal, na justificativa pela liberação da emenda do deputado Teruel.

Já o deputado Fábio Teruel reafirma que “a emenda parlamentar em questão foi destinada à Prefeitura Municipal de Barueri com uma finalidade ampla, voltada à melhoria da infraestrutura urbana”.

“A definição sobre onde e como aplicar os recursos enviados pelos deputados aos municípios compete, única e exclusivamente, às Prefeituras. Essas decisões são baseadas em planejamento técnico e nas prioridades estabelecidas pelos órgãos competentes da própria administração municipal, sem qualquer tipo de interferência, indicação ou conhecimento prévio por parte dos parlamentares. A atuação do deputado federal limita-se à viabilização e à liberação dos recursos, cabendo à gestão municipal a prerrogativa e a responsabilidade técnica integral pela definição e execução das obras”, afirmou.

Fonte: G1 - São Paulo

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