Sicredi Novos Horizontes Itaí
Carlinhos Barreiros

Ex – alunos

Por Carlinhos Barreiros
Imagem ilustrativa

De vez em quando encontro ex-alunos nas ruas. Ultimamente, não sei porque, andam aparecendo mais. Um aqui, outra ali, todos diferentes de quando se sentavam nos bancos de escola. Bem, o tempo passa para todos, não é mesmo?

A maior parte não reconheço. Afinal, foram tantos anos lecionando e em tantos lugares diferentes que tal tarefa seria impossível. Mas eles me reconhecem, claro, ou não viriam até mim.

Os que mais me marcaram e nem sei se isso vale para todo professor foram os mais inteligentes. Me lembro perfeitamente de uns e outros (umas e outras) a quem dava gosto ensinar. Teve um que mal levantava os olhos do caderno e nem olhava para a lousa. Para que? Ele nem precisava dessas quireras: seu cérebro privilegiado absorvia tudo, mastigava e transformava nas melhores notas. Nunca mais soube dele, mas gostaria.

Outra foi perfeita o ano todo: que caderno maravilhoso! Que caligrafia perfeita! Que provas irrepreensíveis: nada fora de lugar! Fiquei até com um caderno dela como lembrança. Para completar, ainda era linda! E soube outro dia desses, por um ex-colega dela: continua linda, tem uma bela carreira, morava na Europa e desenvolveu um leve T O C (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Bem, ninguém é perfeito sem pagar um preço.

Outro deles, japonesinho, um tiquinho de gente, era tão esperto e inteligente que dava gosto. De vez em quando, por pura malícia, eu o mandava ao quadro-negro, sabendo que ele não tinha altura para escrever na lousa. Mas ele nem ligava de ficar na pontinha dos pés, debaixo dos apupos e gozações do resto da turma. “Apaga a lousa, japa!” berravam os colegas entre risos divertidos. É, gente, professores podem ser bem malvados quando querem. Outros alunos dos quais eu gostava muito eram os que tinham sérias dificuldades de aprendizado, com um leve grau de retardo ou outras mazelas cerebrais.

Nunca tive o menor problema em lidar com eles. Nunca lhes exigi nada o ano inteiro, mal olhava para as suas provas, ia logo tascando um “B + positivo” e estava resolvido o problema. Eles me davam o que estava ao alcance deles e eu me satisfazia com tal esforço. Coitadinhos. Imagino o drama que era para eles o simples ato de estar na escola com crianças dita “normais”, ou, como dizem os cínicos hoje: “Defina normal”. Pois é.

Gosto de pensar que os ex-alunos me procuram hoje porque não me esqueceram e gostavam de mim na sala de aula. A maioria deles quando chega até mim consegue expressar esses sentimentos das formas mais simpáticas possíveis. Para mim é uma satisfação constatar que (aparentemente) estão bem e se deram bem na Estrada da Vida. Como já disse antes, não reconheço nenhum, mas pergunto quem são e onde estudaram. Muitos vieram da zona rural, do tempo em que existiam escolas nas fazendas. Vou dizer que são os mais agradáveis de se conversar, hoje? Não, não vou, porque os da cidade estão no mesmo nível de reconhecimento. Sou simpático com eles, eles são comigo, independente da escola ou lugar onde estudaram. Simples assim.

O outro lado da medalha existe também: alunos que odeiam seus professores. Cruzei com alguns deles e só me trouxeram problemas. Um deles, para piorar o quadro, era filho de uma grande amiga, também professora, mas decididamente não ia com a minha cara. E nem eu com a dele. Uma vez, em plena aula, atirou-se ao chão, querendo fazer crer que eu o empurrara. Como a classe inteira não gostava dele e estava do meu lado, foi vaiado no ato. Depois disso, desisti: fiz de conta que ele não existia. Colava pra caramba nas provas e eu fingia que não via: não estava nem aí.  Contava tudo para a mãe, minha amiga até hoje, que se agoniava com o comportamento do rebento. Nunca mais vi essa criatura em minha vida. Não sei se se deu bem ou não. E nem quero.

Outro, um gorducho atrevido que não fazia lição de casa e não interagia com ninguém na aula me xingou em plena classe, em alto e bom tom, para espanto do resto da turma. Não tive dúvida: expulsei-o imediatamente da sala de aula (coisa que não era da minha competência) e quando ele voltou depois de duas semanas (sim, voltou, com a mãe e a diretora cúmplice, que ao invés de defender seus professores ia sempre do lado dos pais) bati-lhes a porta na cara e bradei, furioso: “ Ou ele ou eu!” Como a classe toda me aplaudiu, diretora cúmplice, mãe e gorducho humilhado saíram de fininho. Vitória!

Quando cursei a antiga Escola Normal (“defina normal!”), hoje Pedagogia (é isso?) minha professora de Prática do Ensino, a saudosa Elinah, gostava de afirmar que nem todo aluno que é brilhante na escola se dá bem na vida depois de adulto. Pura verdade. Gosto de pensar que, das centenas que passaram pela minha batuta todos acabaram trilhando o caminho do sucesso. Bom seria se fosse assim, não é? E vendo hoje os adultos felizes em que as carinhas sorridentes se transformaram, dá até para devanear que o Sonho se transformou em realidade para todos eles.

CARLINHOS BARREIROS:

É professor, jornalista e escritor. Atuou em Piraju nos jornais “Folha de Piraju”, “Observador” e “Jornal da Cidade”, sempre como cronista ou crítico de Cinema/Literatura. Publicou o livro de contos “Insânia: O Lado Escuro da Lua” (esgotado). Em 2006, foi o primeiro colocado no Concurso de Poesias, Contos e Crônicas da FAFIP (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Piraju) com o conto “Sade no Sertão”.

Atualmente, revisa os originais de seu livro de contos ainda inédito, “Freak Show”. Mora em Piraju, onde contribui eventualmente com a imprensa local com crônicas/contos e escreve para os blogues “Língua de Trapo” e farolnoticias.com.br, ambos da cidade de Itaí.

Seu ensaio sobre a contracultura em Piraju nos Anos 60 e 70 do século passado: “Eu, Carlinhos Barreiros, drogado e prostituído” foi publicado com sucesso no blogue da USP (Universidade de São Paulo), do jornalista Luciano Maluly, ficando no top dos Mais Lidos por várias semanas.