O fim de uma era

Imagem divulgação

Fiquei triste no começo da semana quando fiquei sabendo que a banca vai fechar. Sim, é isso mesmo: a Revistaria e Livraria Tonon, ao lado do Bradesco, na praça Ataliba Leonel, em Piraju, encerra suas atividades no próximo dia 31. Ao que tudo indica, para sempre.

O proprietário Renato Tonon me disse que várias mudanças de mercado ao longo dos anos acabaram contribuindo para que tal decisão fosse tomada. Com o avanço da internet, os grandes jornais praticamente desapareceram: a maioria, hoje, é tudo virtual, prontinho para ser lido na tela do celular, coisa que eu acho absolutamente detestável. Ninguém lê mais jornal impresso atualmente, pois eles não existem mais. Só restaram os medalhões (Folha de SP, Estadão, O Globo) e mesmo assim alguns mudaram o formato para tablóide, afim de economizar. Ninguém compra jornal hoje em dia, ítem considerado pré-histórico. As grandes revistas também sumiram faz tempo. Só restaram poucas: Veja, Quatro Rodas….. nem me lembro mais de nenhuma outra que ainda circula. Ai gente que saudades da Manchete, Amiga, Intervalo, Querida, Realidade, Isto É, Época, Capricho, SET, Roadie Crew …. Ia até colocar nesta listinha a emblemática “O Cruzeiro” mas daí já é puxar demais pela memória. O Cruzeiro foi a maior revista brasileira dos Anos 50 do século passado, responsável por reportagens memoráveis e históricas, como os casos Aída Cury e o assassinato da “Pantera de Búzios”, Angela Diniz. Ecos, textos e memórias de reportagens que jamais serão escritas no papel físico.

Já que jornais e revistas sumiram de circulação, o que pode fazer uma banca de cidade pequena? Abrir um posto bancário de pagar contas e vender livros, ora! Grande parte de minha biblioteca foi adquirida em compras da Revistaria Tonon ao longo de todos estes anos.

Bem, foquemos então em “todos estes anos”: os Tonons tomaram conta da banca a partir de 1972, vindos de Assis: seu Laurindo e a esposa dona Therezinha mais os filhos Marcos, Renato e Rosângela. Minha amiga Madalena, irmã do patriarca, veio junto. A banca, antes deles, era ao lado do atual Banheiro Público da praça: uma armação de madeira bastante espaçosa cheia de revistas e jornais e tocada pela dona Conceição, viúva com uma penca de filhos. Eu costumava fazer ponto lá à tarde para apreciar o movimento e o vai e vem dos ônibus que chegavam e partiam, já que antigamente ali era a estação rodoviária da cidade, com o Bar do Ponto do seu Celso Mattos bem ali, de cara para a muvuca toda.

Madalena Tonon tomou às vezes de dna. Conceição e a filharada frente à banca de revistas de madeira. Às vezes eu a substituía para ela ir tomar um cafezinho ou beber uma água no bar do seu Celso. Figuras icônicas e memoráveis circulavam pelo local na época: tinha o Davi Engraxate com sua cadeira ao lado do bar e uma senhora cega (não consigo me lembrar do nome dela, acho que era Magdalena também) que vivia de pedir esmolas por ali. Quando morreu de velhice, foi uma comoção geral no ponto. De vez em quando passava pela rodoviária, rondando, o lendário Homem do Saco, sem-teto e andarilho que a gente brincava que gostava de meter as criancinhas teimosas e chatas num saco e levar para bem longe, para dar um fim nelas. O Homem do Saco anos depois acabou denunciado por pedofilia: gostava de catar os molequinhos de tenra idade para aliciá-los às suas práticas perversas. Chocante, né? É, a Piraju de antigamente podia ser bem escabrosa às vezes.

A banca depois iria se mudar para o outro lado da rua, onde está até hoje. Laurindo Tonon se aposentou e passou o bastão para o Renato, que continua lá. Uma outra geração da família nasceu e cresceu mas a banca permaneceu intocada e venerada, sempre associada à família e ponto de referência para a região, com todas as revistas importantes do país disponíveis e com a parte de encomendas de livros perfeita, já que Piraju nunca teve outra livraria desse porte.

Esse é o palco que agora, mais de 50 anos depois, baixa suas cortinas definitivamente. Deixará saudades, é claro. Gente muito bacana passou e trabalhou na banca e gente muito bacana ainda trabalha por lá. Queridos pelo público e conhecidos de todos, torço para que retomem suas vidas em estradas tão satisfatórias e amigas como a atual. Nesta existência feita de ciclos, o da banca acabou. Ficará na memória de quem a conheceu e um dia contarão histórias legais sobre ela e as pessoas que por lá passaram. Pontos de referência fortes assim não somem de imediato da noite para o dia. Viram memórias, que alimentam sonhos e fantasias e vão tecendo, lentamente, o tecido da Vida.

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CARLINHOS BARREIROS:

É professor, jornalista e escritor. Atuou em Piraju nos jornais “Folha de Piraju”, “Observador” e “Jornal da Cidade”, sempre como cronista ou crítico de Cinema/Literatura. Publicou o livro de contos “Insânia: O Lado Escuro da Lua” (esgotado). Em 2006, foi o primeiro colocado no Concurso de Poesias, Contos e Crônicas da FAFIP (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Piraju) com o conto “Sade no Sertão”.

Atualmente, revisa os originais de seu livro de contos ainda inédito, “Freak Show”. Mora em Piraju, onde contribui eventualmente com a imprensa local com crônicas/contos e agora valoriza o site farolnoticias.com.br com seus comentários imperdíveis.

Seu ensaio sobre a contracultura em Piraju nos Anos 60 e 70 do século passado: “Eu, Carlinhos Barreiros, drogado e prostituído” foi publicado com sucesso no blogue da USP (Universidade de São Paulo), do jornalista Luciano Maluly, ficando no top dos Mais Lidos por várias semanas.

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