No Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, celebrado anualmente no dia 28 de junho, um casal compartilha experiências contra a homofobia em Itapetininga, no interior de SP. Gabriel Lara, 29 anos, e Pedro Soares, 26 anos, estão juntos há três anos.
Ator e professor de Artes, Gabriel contou ao g1 que a data é importante porque é uma forma de mostrar para a sociedade, em um único dia do ano, que todos os corpos podem performar livremente. “Boa parte deles à luz do dia, porque muitos só conseguem essa performance apenas sob a luz da noite. Então é muito significativo.”
O casal relembra também uma situação que, infelizmente, é recorrente para a maioria das pessoas que fazem parte da comunidade LGBTQIAPN+: o preconceito por serem quem são, sem a liberdade de amar com segurança.
“É muito difícil performar nossa identidade, ser quem somos, como resolvemos nos unir… Muito difícil mesmo, é bem desafiador. Olhares, comentários, coisas que a gente se priva”, reforça Gabriel.
Eles têm o receio de contratar prestadores de serviço e serem vítimas de preconceito onde deveria ser um ambiente seguro para uma família. “A gente se sente num ambiente hostil dentro da nossa própria casa”.
“A gente busca total autonomia, o máximo possível, para que a gente não precise passar por esses momentos, mas, recentemente, a gente passou por um dia com muitas camadas: sofremos ataques homofóbicos três vezes no mesmo dia, de vários segmentos diferentes”.
Gabriel relembra que o primeiro ataque foi na rua, quando um motorista do carro fez comentários desnecessários. “Só por conta que estávamos os dois com roupas cor de rosa, performando nossas identidades, mas se for pensar na perspectiva da sociedade, estávamos dentro da etiqueta de estar com roupas comportadas”.
“A única coisa diferente é que eram cor de rosa e foi suficiente para que o nosso dia fosse cheio de situações”, conta. Já o segundo caso foi a partir de um grupo de jovens que estavam na frente de uma igreja.
“Começaram a apontar dedos, risadas, comentários, enquanto a gente estava caminhando. Voltando para casa, a gente se trocou e foi para o shopping assistir ao filme ‘Lilo & Stitch’. Tinha uma criança sentada do meu lado, a sessão estava cheia, o pai com os irmãos estavam na frente e a mãe estava atrás”.
Após a família perceber a presença do Gabriel e do Pedro, tomaram a decisão de trocar de lugar. “O pai começou a chamar a criança para trocar de lugar com a tia. A criança falava: ‘mas por quê?’, enquanto o pai insistia”.
“A tia não foi sentar ao meu lado, procurou outro lugar para sentar e ninguém sentou ali. Nossa, ali eu desabei. Eu fiquei péssimo… O Pedro tentou me reanimar de todas as maneiras possíveis, mas estava difícil, porque foi doloroso, foram muitas situações no mesmo dia”.
Gabriel compartilhou os casos de preconceito nas redes sociais e recebeu mais de 200 mensagens em solidariedade. “Resolvi compartilhar para que outras pessoas se conectassem com essa história e saberem que elas não estavam sozinhas, que a gente tinha que agir de uma maneira para que nossa existência fosse respeitada aqui na cidade”.
Em contrapartida aos momentos negativos vividos pelo casal, há outros cheios de amor. Um deles é muito significativo: a cerimônia de casamento. “A gente convocou um grupo de amigos, atores, para encenar nosso primeiro encontro de uma forma poética, bem legal”, afirma Gabriel.
“As pessoas causaram impacto e eu desabei na hora que entrei e vi todo mundo ali por nós. Foi especial demais”, destaca Pedro.
Ao lado da família e amigos, o evento foi cheio de vida, com teatro, sarau, música, arte e muito amor, reforça Gabriel. “Foi um momento muito planejado de maneira independente por nós dois e foi tudo muito especial. Eu chorei do começo ao fim, não consegui me segurar”.
Outro momento de amor, mas também de resistência, foi no dia 15 de junho, quando um grupo realizou o ato LGBTQIAPN+, na Feira Livre de Itapetininga, como forma de reflexão aos demais moradores, sobre situações de homofobia e transfobia contra a comunidade. O casal também participou da ação, sendo que Gabriel foi um dos organizadores.
“Fizemos um ato na feira, com outros colegas, parceiros e aliados. Contou com umas 30 participantes, mesclando entre pessoas da comunidade e agentes da sociedade, famílias, amigos e companheiros. A ideia era que fosse um ato silencioso muito sutil, a gente não estava ali para gritar”, diz Gabriel.
O ato simbólico foi uma forma encontrada por eles de serem enxergados como também pessoas pertencentes da sociedade. “Tínhamos placas, cartazes com frases que exaltavam nossa comunidade e o respeito que a sociedade deveria ter por nós”.
“Nós devemos ser valorizados em nossa existência, devemos ser respeitados. Por que olhares têm que ser voltados para a gente? E não são olhares sobre a pessoa está se destacando na vida ou como ela está tendo sucesso… São proferidos todos os comentários maldosos que nos diminuem, que desrespeitam nossa existência e em nada agregam para nossa formação na sociedade”.
Fabiana Moreira Santos, 31 anos, conhecida como FaBlack, nasceu em São Miguel Arcanjo (SP) e hoje mora em Itapetininga. Ela é casada com Cecília Leite e também estava no ato simbólico. Ela reforça a importância de manifestações em forma de intervenção artística.
“Ao participar, sinto que estou realizando um dever, não só por mim e meus amigos gays, lésbicas, trans +, mas também sinto que representamos pessoas que em algum lugar não têm voz e/ou têm medo de ser quem são”, conta.
A cantora e pedagoga considera que começou os trabalhos artísticos de forma feminista e, atualmente, traz falas ativistas. “Não somente contra homofobia, mas contra o racismo, em Itapetininga, em São Miguel Arcanjo e, consequentemente, atingindo as pessoas nas redes sociais”.
“Para mostrar que não somos pessoas ruins, somos pessoas como todas as outras e que nosso amor, que só cabe a nós, não faz mal à sociedade e às pessoas ao nosso redor. É importante trazer o olhar para onde nosso amor nasce, que mostrar que ele floresce e sempre irá florescer, mesmo na dor e nas injustiças que nos acometem por sermos quem somos, nosso amor se mantém de forma plena, viva, inteira e sem maldade”.
Gabriel destaca a falta de acolhimento em outras regiões. “A gente já foi em várias cidades e, infelizmente, tem lugar que está pior, mas ainda assim, Itapetininga precisa melhorar, oferecer oportunidades, abrir portas, levantar janelas e enxergar o outro ao redor de uma forma inclusiva”.
Em Itapetininga, há algumas atividades de incentivo à comunidade LGBTQIAPN+, realizadas de maneira independente. “Feitas por agentes de mobilização social que buscam, a partir das suas vivências, encontrar formas de que outras pessoas também se beneficiem, seja culturalmente, na saúde, seja no entretenimento, na educação”, continua.
Um desses casos é o Núcleo de Apoio à População Trans que, atualmente, tem mais de 60 pessoas recebendo acompanhamento de psicólogo, assistente social, de clínico geral e endócrino. Informações sobre como participar estão disponíveis nas redes sociais.
Os atendimentos médicos são feitos junto ao Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto os encontros ocorrem na Unidade Básica de Saúde (UBS) Rio Branco, localizada na Avenida Doutor Waldomiro de Carvalho, 180, bairro Vila Hungria.
Fonte: G1 – Itapetininga e Região