Não quero faca nem queijo; quero é fome.

Adélia Prado

  A Adélia Prado me ensina pedagogia. Diz ela: “não quero faca nem queijo; quero é fome”. O comer não começa com o queijo. O comer começa na fome de comer queijo. Se não tenho fome é inútil ter queijo. Mas se tenho fome de queijo e não tenho queijo, eu dou um jeito de arranjar um queijo…. Sugeri, faz muitos anos, que para se entrar numa escola alunos e professores deveriam passar por uma cozinha. Os cozinheiros bem que podem dar lições aos professores.

Foi na cozinha que a babette e a tita realizaram suas feitiçarias…. Se vocês, por acaso, ainda não as conhecem, tratem de conhecê-las: a babette, no filme a festa de babette, e a tita, no filme como água para chocolate. Babette e tita, feiticeiras, sabiam que os banquetes não se iniciam com a comida que se serve. Eles se iniciam com a fome. A verdadeira cozinheira é aquela que sabe a arte de produzir fome…. Quando vivi nos estados unidos minha família e eu visitávamos, vez por outra, uma parenta distante, nascida na Alemanha. Seus hábitos germânicos eram rígidos e implacáveis. Não admitia que uma criança se recusasse a comer a comida que era servida.

Meus dois filhos, meninos, movidos pelo medo, comiam em silêncio. Mas eu me lembro de uma vez em que, voltando para casa, foi preciso parar o carro para que vomitassem. Sem fome o corpo se recusa a comer. Forçado, ele vomita.

Provocada pelo meu desejo minha máquina de pensar me fez uma primeira sugestão, criminosa:

“Pule o muro à noite e roube as pitangas”.

Furto, fruto, tão próximos… Sim, de fato era uma solução racional. O furto me levaria ao fruto desejado. Mas havia um senão: o medo. E se eu fosse pilhado no momento do meu furto? Assim, rejeitei o pensamento criminoso, pelo seu perigo. Mas o desejo continuou e minha máquina de pensar tratou de encontrar outra solução: “construa uma maquineta de roubar pitangas”. Marshall mcluhan nos ensinou que todos os meios técnicos são extensões do corpo.

Bicicletas são extensões das pernas, óculos são extensões dos olhos, facas são extensões das unhas. Uma maquineta de roubar pitangas teria de ser uma extensão do braço. Um braço comprido, com cerca de dois metros. Peguei um pedaço de bambu. Mas um braço comprido de bambu sem uma mão seria inútil: as pitangas cairiam. Achei uma lata de massa de tomates vazia. Amarrei-a com um arame na ponta do bambu. E lhe fiz um dente, que funcionasse como um dedo que segura. Feita a minha máquina, apanhei todas as pitangas que quis e satisfiz meu desejo. Anote isso: conhecimentos são extensões do corpo para a realização do desejo. Imagine agora que eu, mudando-me para um apartamento no rio de janeiro, tivesse a ideia de ensinar ao menino meu vizinho a arte de fabricar maquinetas de roubar pitangas. Ele me olharia com desinteresse e pensaria que eu estava louco. No prédio não havia pitangas para serem roubadas.

A cabeça não pensa aquilo que o coração não pede. Anote isso: conhecimentos não nascidos do desejo são como uma maravilhosa cozinha na casa de um homem que sofre de anorexia. Homem sem fome: o fogão nunca será aceso; o banquete nunca será servido. Dizia Miguel de Unamuno: “saber por saber: isso é inumano…”. A tarefa do professor é a mesma da cozinheira: antes de dar faca e queijo ao aluno, provocar a fome…. Se ele tiver fome, mesmo que não haja queijo ele acabará por fazer uma maquineta de roubar queijos. Toda tese acadêmica deveria ser isso: uma maquineta de roubar o objeto que se deseja…


Wandenilza Caldonazzo

Wandenilza Caldonazzo. Nasceu em Estiva, no estado de Minas Gerais, no dia 15 de setembro de 1952. Formada em ciências humanas, e em educação física. Reside em Itaí desde 1964. Escreve poesia desde os doze anos, suas poesias são mais conhecidas em Porto Alegre–RS, onde recebeu com louvor o grau de confrade g-2 da ordem da confraria dos poetas do brasil no ano de 2000. No mesmo ano, recebeu menção honrosa em concurso literário, participando da antologia poética 2000, com várias poesias publicadas com poetas do país inteiro. Participou do projeto, em pró do timor leste, onde teve uma poesia “tempo de guerra” publicada no livro paz – manifesto à paz mundial (2003), onde recebeu o diploma de mérito humanitário internacional. Foi destaque especial no II concurso de poesias da cidade de Avaré no ano de 1995, tendo suas poesias publicadas na antologia do concurso. “poemas poesias e fragmentos” (2003), publicado pela editora nativa – SP, foi lançado na bienal do livro do ano de 2004, em São Paulo. “cristais”, (2004), segunda edição. Tem poemas, poesias e crônicas publicados em vários projetos realizados em sua cidade. “1ª antologia poética de Itaí. “nas pegadas de São Caetano” (2005) poesias católicas. “projeto ecoteca (2006) – aconteceu assim…” – crônicas acontecidas entre professores e alunos. “lendas urbanas de Itaí” (2016) histórias que viraram lendas, que são apresentadas na caminhada das lendas urbanas de Itaí, teatro saindo do museu municipal, passando pelos locais onde as lendas aconteceram e termina dentro do cemitério municipal. Representa maria, a mãe de jesus cristo a mais de 20 anos na encenação da paixão de cristo em sua cidade. É integrante do grupo de teatro: arteiros, de Itaí, com vários personagens já encenados e registrados no currículo de atriz. Ama Itaí como o seu “pedaço de paraíso” no planeta terra.

Por Wandenilza Caldonazzo

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