
Denúncias de trabalho infantil cresceram 12% na região de Sorocaba (SP) entre janeiro e maio de 2025, em comparação ao mesmo período do ano passado, segundo dados do Ministério Público do Trabalho (MPT) da 15ª Região.
Desde 2020, o MPT e o Ministério Público de São Paulo (MPSP) têm assinado com a Prefeitura de Sorocaba um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) visando erradicar a exploração de mão de obra infantil na cidade.
Ao todo, 99 crianças e adolescentes foram abordados pela prefeitura em situação de trabalho irregular em Sorocaba entre janeiro e junho deste ano, um aumento de 41% em relação ao mesmo período de 2024.
Apesar do compromisso, o trabalho infantil ainda é realidade em Sorocaba e tem crescido, conforme aponta o chefe regional do Ministério do Trabalho de Sorocaba, Ubiratan Vieira.
“Estamos notando a volta de crianças e adolescentes vendendo produtos nos semáforos. A maioria tem entre 12 e 17 anos. No período de férias escolares, o número tende a aumentar ainda mais. É um perigo este tipo de ‘trabalho’, pois, além do risco de atropelamento que correm, as crianças podem ser aliciadas para o tráfico de drogas.”
Segundo Ubiratan, apenas em Sorocaba, 12 menores de idade foram resgatados trabalhando em condições irregulares. Deste total, oito foram encontrados na zona norte da cidade.
“Infelizmente, alguns pais e mães acobertam esse tipo de trabalho irregular e irresponsável. Mas também há casos em que nem a família sabe da situação.”
Uma criança abordada pelo g1 em um semáforo da Praça Lyons, na região central de Sorocaba, confessou que “aproveita as férias da escola para fazer um dinheirinho”.
Nos braços, trazia uma caixa com pipocas, que são colocadas nos retrovisores dos carros. Cada unidade sai a R$ 2. O pagamento pode ser feito no local ou via PIX, para uma conta bancária que a criança não quis informar a quem pertencia.
O menor contou que tem 14 anos e que só vende os produtos no contraturno escolar ou durante o período de férias. Disse, ainda, que está trabalhando por vontade própria e que sabe circular entre os veículos para se proteger de um possível atropelamento.
A criança é apenas uma entre as diversas flagradas pela reportagem do g1 em situação semelhante, vendendo pipocas ou doces aos motoristas parados nos semáforos de Sorocaba. De acordo com o painel de monitoramento da Vigilância Socioassistencial da prefeitura, 36 dos 95 menores abordados entre janeiro e junho deste ano estavam comercializando doces.
Segundo a promotora de Justiça na Vara da Infância e Juventude do MP-SP, Cristina Palma, desde a assinatura do TAC entre o Ministério Público e a prefeitura, houve um reforço na fiscalização das atividades realizadas nos semáforos da cidade, com apoio da Guarda Civil Municipal.
A promotora destaca que as abordagens ainda ocorrem, porém, após mudanças implementadas pela prefeitura, um setor que integrava o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) foi descontinuado e incorporado aos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas).
“Um setor com uma equipe de assistentes sociais que fazia contato com a família, verificava a razão de a criança estar exercendo aquela atividade. No primeiro momento, este trabalho fez um bom efeito. Agora, de fato, a gente tem verificado que, talvez pelo desmantelamento dessas equipes, têm aumentado essas crianças no farol, sim.”
Outro desafio apontado pela promotora é a ausência de uma legislação específica que criminalize o aliciamento de menores para o trabalho irregular. Ela relata que já foram identificados possíveis aliciadores envolvidos no financiamento da venda de pipocas em Sorocaba, mas a investigação acabou sendo arquivada por falta de respaldo legal.
“O trabalho infantil é proibido. Só é autorizado nas situações de aprendizagem legal, acima de 14 anos, conforme determina a Constituição, mas também com algumas restrições. Mas a questão da criminalização ainda é delicada. Quando foi assinado o TAC, a Polícia Federal fez um trabalho investigativo e foram identificados adultos que passavam com o carro com a mercadoria a ser vendida e ofereciam aos menores. É uma ação coordenada, existe um aliciamento ao trabalho infantil. Mas não existe crime específico para isso. Infelizmente, a nossa legislação falha nisso e dependemos do Congresso Nacional para tipificar essa conduta.”
Além da atuação nas ruas e semáforos, Ubiratan Vieira destaca a presença de menores em situação irregular também em atividades agrícolas, circos, na construção civil e em funções domésticas, como babás e faxineiras.
Quando uma criança é flagrada trabalhando em uma empresa, o estabelecimento pode ser penalizado. No entanto, segundo a promotora, mesmo nesses casos, é necessário que alguns requisitos legais sejam atendidos para que a punição possa ser aplicada.
“Se a criança estiver sendo forçada a fazer aquele trabalho, em situações precárias ou praticamente sem remuneração, sim, pode ser considerado trabalho escravo, e, aí, há a criminalização. Se não forem essas as situações, a penalização é pecuniária. O Ministério do Trabalho aplica a sanção financeira e pode ter interdição de atividades, entre outras penalidades de natureza civil e trabalhista. Existem também as penalidades de natureza criminal.”
Para a promotora, quando se trata de erradicação do trabalho infantil, a “luz no fim do túnel” depende, sobretudo, de uma mudança de comportamento da sociedade.
“Existe uma aceitação social. As pessoas veem uma criança trabalhando como flanelinha, como guardador de carro, como vendedor de doce, embalando sacolas no supermercado, e aprova porque pensa ‘é muito melhor estar aqui trabalhando do que usando droga, roubando’. Só que a pessoa que assim pensa ela não quer que o filho dela esteja nessas situações, quer que o filho dela estude, tenha um diploma, tenha uma profissão regularizada. Temos que ter o mesmo conceito que temos para os nossos filhos para com os filhos das famílias vulneráveis. À medida que isso for algo reprovado pela sociedade, deixará de ser lucrativo, haverá mais denúncias.”
A maior parte das abordagens (23%) feitas em Sorocaba entre janeiro e junho deste ano foi registrada na região do bairro Éden, na zona leste da cidade. O Centro concentrou o segundo maior número de abordagens – inclusive, foi na região central que ocorreu a maioria dos flagrantes feitos pela reportagem do g1.
Os dados abaixo foram retirados do painel de monitoramento da Prefeitura de Sorocaba:
– O mês com maior número de abordagens em 2025 foi março;
– Três em cada dez crianças abordadas estavam vendendo produtos nas ruas;
– Entre elas, 36 comercializavam doces, de um total de 99 casos registrados;
– A maioria dos menores abordados (79,4%) disse estar matriculada em escolas de tempo integral;
– Metade das crianças e adolescentes abordados estavam pedindo esmolas;
– Os meninos representaram 67,6% das abordagens;
– Cerca de 75% das crianças e adolescentes abordados se declararam pretos ou pardos;
– Em 93% das abordagens, o Conselho Tutelar não foi acionado.
Os adolescentes a partir de 14 anos podem ser encaminhados para programas de aprendizagem profissional, que permite a contratação de menores de acordo com a legislação trabalhista.
Situações que não estejam de acordo com a lei podem ser denunciadas ao Conselho Tutelar, pelo telefone 125, ou à Regional do Ministério do Trabalho de Sorocaba, pelo número (15) 3218-2547, ou pelo Disque 100 (Direitos Humanos), serviço nacional que funciona 24 horas por dia. A denúncia pode ser feita de forma anônima.
Fonte: G1 – Sorocaba e Jundiaí